fbpx

Redes e Parcerias Locais

No audiovisual brasileiro, a falta de financiamento é uma constante conhecida de quem se aventura no campo, seja em que região for. Neste cenário de carência, há ainda o fator da distribuição irregular dos poucos recursos ofertados, que tendem a se concentrar nos grandes centros, especialmente Rio e São Paulo. No interior, além da formação escassa, a questão dos valores acaba sendo outro ponto de peso para as produções. No velho processo de transformar limões em limonada, o interior tem extraído da limitação uma vantagem: os produtores do interior se apoiam e se fortalecem em rede, criando uma autossuficiência. 

Oficinas e Intercâmbios

Os coletivos do interior estão sempre em movimento, promovendo oficinas, encontros e trocas de experiência. Na Kino-Olho, por exemplo, quem chega ao grupo logo é envolvido em atividades práticas, contribuindo de acordo com suas habilidades. Rogério Borges menciona que, mesmo em cidades pequenas, o grupo se esforça para oferecer formação audiovisual de maneira acessível, realizando cineclubes e oficinas voltadas para a comunidade. “Esses espaços ajudam a criar um público que entende e valoriza o cinema que fazemos”, explica ele, destacando o valor dessas ações para fortalecer a cena local. Essas redes, formadas a partir da prática e da educação, estão transformando a forma como o cinema é percebido no interior.

A formação é essencial para criar um público que valorize as produções locais. A formação não é só para quem faz cinema, mas para quem assiste e entende o valor do que se está criando no interior. Afinal, se não há um público interessado, o movimento não se sustenta.

Quem também respalda o intercâmbio de informações é o coletivo Círios, uma iniciativa de produção audiovisual no interior de São Paulo, dedicada a fomentar a criação e a formação no campo do cinema. Coraci Ruiz, cineasta e cofundadora do coletivo, descreve a importância de oferecer uma estrutura que não serve apenas ao grupo, mas também à comunidade ao redor. Campinas, cidade em que o Círios está sediado, ainda enfrenta limitações em termos de acesso a equipamentos e espaços de produção. Nesse contexto, o coletivo atua como um ponto de apoio, usando sua infraestrutura não apenas para suas próprias produções, mas também para apoiar outras produções locais, criando um espaço onde as pessoas podem aprender e colaborar. “Nossa infraestrutura não é apenas para nossos projetos; abrimos para produções locais, oferecendo desde edição até mixagem de som para que outros também possam aprender na prática,” explica Coraci, ressaltando o papel do coletivo como espaço formativo. Cheque um trecho da conversa!

Entrevista: Círios

A entrevista com os fundadores do Laboratório Cisco explora a rica trajetória de uma produtora audiovisual enraizada em Campinas, destacando a evolução do cinema no interior paulista. Júlio Matos, Coraci Ruiz e Hidalgo Romero compartilham como suas experiências pessoais, influenciadas por cineclubes e projetos familiares, moldaram o ethos coletivo da Cisco, que prioriza produções autorais e engajadas. Com histórias marcadas por desafios, criatividade e um profundo senso de colaboração, os entrevistados revelam como a Cisco consolidou uma identidade única no cenário audiovisual, tornando-se um modelo de resistência e inovação fora dos grandes centros urbanos. A conversa lança luz sobre a importância de iniciativas locais e a força do cinema em criar conexões e transformar realidades.

JÚLIO MATOS: O seu interesse é na história da Cisco [Laboratório Cisco]…

DEIVID MENDONÇA: E o que vocês pensam sobre fazer cinema fora da cidade de São Paulo. Esse nosso projeto começou por uma frase que foi dita, a de que não existe cinema marginal em São Paulo. É o debate de todos os editais, está sempre em discussão os interiores, planos regionais. E a história da Cisco? Como vocês percebem isso?

JÚLIO MATOS: É uma longa história. Tem um começo, que são as histórias pessoais, que cada um tem um envolvimento familiar com o cinema aqui.

HIDALGO ROMERO: Minha mãe era do movimento de cineclube aqui em Campinas. Ela começou com um cineclube… Cineminha de rua, bem pequenininho, chamado Cineclube Barão. Fica numa ruazinha no centro, numa região meio decadente, uma área bem decadente mesmo. Daí ela fez o Cineclube Barão durante alguns anos, e em [19]90, [19]89 para [19]90, ela se juntou com um outro cara, que vinha de São Paulo, chamado João Passelaro, que era do Elétrico Cineclube em São Paulo. Ele tem uma história de cinema de rua também, de cineclube em São Paulo. E eles fizeram um projeto, que foi financiado pelo Banco Nacional. Lembra do Banco Nacional? Eles reformaram um hotel no centro de Campinas, antigão, do século XIX, o Hotel Vitória, que era de um arquiteto famoso, que projetou o Mercadão de Campinas e o Mercadão de São Paulo. É um cara famoso, o arquiteto. Enfim, daí ela fundou o Centro Cultural Vitória, junto com esse cara, o João Passelaro, que funcionou por cinco anos. Eu tenho essa relação com o cinema do cineclube da minha mãe, aonde eu ia, enquanto criança assistir aos filmes. Desde os nove anos, dez anos, eu frequento a sala do cinema. Fechou em 1995, mas foi um projeto bem legal, aqui em Campinas. Super. Daí alugaram uma sala dentro desse prédio, e ofereciam um curso. Eu conheci o Wilson e o Maurício dessa época.

JÚLIO MATOS: No cineclube era cinema de arte, né?

HIDALGO ROMERO: É, cinema de arte, cult. Eu assistia tudo, tudo, tudo. Eu assisti aquele filme, o primeiro filme erótico japonês, O Império dos Sentidos. Tudo com oito, nove anos. Marvada carne, Pixote, O Beijo da Mulher-Aranha.
DEIVID MENDONÇA: Vocês são todos daqui?

JÚLIO MATOS: Eu sou nascido aqui, cresci aqui, fiz Ciências Sociais na Unicamp, mas eu já trabalhava com cinema na época que eu fiz Ciências Sociais.

DEIVID MENDONÇA: Trabalhava com cinema aqui?

JÚLIO MATOS: Trabalhava com cinema aqui. Essa é a pré-história da Cisco. Minha mãe trabalhou com a mãe do Hidalgo, quando a gente era criança, nos projetos de cinema; levava cinema nas escolas e tal. Depois ela trabalhou num departamento de audiovisual de um museu, aí foi para a Unicamp, trabalhou na TV da Unicamp. Minha mãe sempre foi ligada nessa área. Aí, uns 30 anos atrás, ela se casou com um cineasta, um documentarista importante, brasileiro. Chama Renato Tapajós. Ele veio para cá fazer uma campanha política do Toninho, que foi aquele prefeito assassinado aqui em Campinas. Ele veio para fazer essa campanha, a gente elegeu o Toninho, eu trabalhei com ele nessa campanha. Ele acabou ficando, se casou com a minha mãe e ficou aqui em Campinas, desde os anos 2000. Aí ele montou a produtora dele aqui e me chamou para trabalhar. Eu estava querendo sair de Campinas, mas aí rolou essa oportunidade, fui ficando. Depois de um tempo, o Hidalgo entrou também, começou a trabalhar junto na produtora do Renato.

DEIVID MENDONÇA: Vocês participavam das produções de filmes?

JÚLIO MATOS: Mais ou menos, porque na época não tinha exatamente filme, estava num momento de vídeo institucional, campanha política e tal. Ele estava no modo sobrevivência, não estava numa fase boa.

DEIVID MENDONÇA: E vocês era novinhos, né?

JÚLIO MATOS: 20 anos. Em 2005, ele monta, em uma casa mesmo, aqui perto, uma produtora grande. E nesse meio tempo, entre 2000 e 2003, 2005, a gente – eu e a Coraci – começamos a fazer várias coisas juntos, paralelo à produtora do Renato.

DEIVID MENDONÇA: Era de audiovisual? Como é que vocês se encontraram?

JÚLIO MATOS: A gente já era amigo

CORACI RUIZ: Eu vim fazer dança aqui.

DEIVID MENDONÇA: Você é de onde?

CORACI RUIZ: Sou de São Paulo.

JÚLIO MATOS: Eu sou daqui. Já eu e ele [Hidalgo] somos amigos desde a infância. Nossas mães ficaram amigas e a gente ficou amigo por tabela.

CORACI RUIZ: O meu pai é do cinema também.

JÚLIO MATOS: É?

CORACI RUIZ: Ele foi… Fazia várias coisas. Foi diretor. Ele tinha uma carreira bem legal rolando, até vir o Collor, que acabou com a Embrafilme, e ele tomou um mega tombo, porque ele estava com uma produção rolando, parcelou tudo e tal.

DEIVID MENDONÇA: Por ele ser do cinema, você chegou a experimentar qualquer coisa?

CORACI RUIZ: Sim. Ele me levava desde pequena para set, para ajudar, fazer assistência, qualquer coisa.

DEIVID MENDONÇA: No caso de vocês, ter um espaço familiar que favorece, estimula… Os três tiveram, de jeitos diferentes.

HIDALGO ROMERO: Sim.

CORACI RUIZ: E aí, quando eu entrei na dança, eu percebi rápido que não era o meu rolê. Eu fiz até o final e eu fui me direcionando de volta para o audiovisual. Então, fiz uma iniciação científica com fotografia e dança.

DEIVID MENDONÇA: Encontrando as interseções, uma conclusão da língua de dança.

CORACI RUIZ: Aí a gente fez um projeto que foi muito importante para a nossa história, Olhos Negros. Foi um projeto que tinha a ver com fotografia e documentário, a gente foi para a Amazônia e tal. Estava no campo da extensão, era uma coisa meio paralela, mas todo mundo colou, na Unicamp.

JÚLIO MATOS: O meu projeto de conclusão de curso na arquitetura foi de um barco-cinema itinerante na Ilha Grande. O projeto de um barco cinema.

CORACI RUIZ: A gente já era amigo, eu e o Júlio. Muito amigos, fazia vários anos. A gente fez esse projeto junto na Amazônia. Pelos pais. Meu pai era amigo da mãe do Júlio. Aí, quando eu vim fazer faculdade, eu acabei passando o primeiro mês na casa deles, e a gente ficou amigo, a gente já tinha essa relação. O Hidalgo estava em outra.

JÚLIO MATOS: O Hidalgo tinha feito a campanha do Toninho e foi chamado para trabalhar na prefeitura, se afastou um pouco.

CORACI RUIZ: No começo, eu e o Hidalgo nos encontrávamos muito pouco, nesses primeiros anos que a gente estava trabalhando junto. Primeiro eu e o Júlio começamos com a Cisco, que era um quartinho dentro da produtora do Tapajós. Aí o Hidalgo foi morar fora. Quando voltou, em 2006, fizemos uma série de trabalhos para a Prefeitura de Campinas, para a Secretaria de Educação. Já era empresa? Não.

JÚLIO MATOS: Não, era um nome. A gente tem essa amiga, que é uma espécie de madrinha da Cisco, que foi quem chamou a gente para fazer esses primeiros trabalhos. Na hora que a gente terminou o trabalho, pensamos “como é que a gente assina?”. Porque não era a produtora do Renato. Resolvemos chamar de Laboratório Cisco.

DEIVID MENDONÇA: E tinha uma divisão entre vocês?

JÚLIO MATOS: Não, era meio que eu chamei a Coraci. A própria pessoa que chamou não era muito da área, então ela não se meteu muito no vídeo, porque o projeto envolveu uma publicação e um vídeo, e ela era mais da publicação e a gente era mais do vídeo. Eu chamei a Coraci e a gente chamou uma amiga, que é uma documentarista superlegal também, a Manuela, para ajudar. Ela tinha estudado na Escola de Cinema de Cuba, então era a mais experiente, sabe? Ela fotografou e a Coraci ia fazer mais produção, mas a gente meio que dividiu. Nem sei se tem direção, não lembro como é que a gente botou nos créditos.

CORACI RUIZ: Acho que a gente assinava a direção coletiva.

DEIVID MENDONÇA: E hoje tem uma configuração mais de público.

CORACI RUIZ: É assim. Na Cisco, somos nós, três sócios, e tem a galera que trabalha com a gente. Cada um de nós tem seus próprios projetos. Eu e o Júlio, uma boa parte dos nossos projetos a gente dirige juntos, mas alguns casos também não. Os nossos próprios projetos são de criação. De inventar.

JÚLIO MATOS: A Cisco é uma produtora de projetos autorais. A gente até faz outras coisas, eventualmente, mas a origem dela e a história passa por viabilizar os nossos próprios projetos autorais.

CORACI RUIZ: Porque ainda nunca chegou alguém para trabalhar com a gente com esse mesmo pique, né? De ter projetos… Sempre tem um pessoal mais técnico, eu acho, a maior parte. Quem escreve os projetos e dirige, somos nós três. Às vezes, hoje em dia, de uns anos para cá, às vezes a gente tem diretores de fora. Não é o grosso, mas sempre tem uma parceria rolando. A gente é mais uma fábrica de projetos do que uma produtora de visual, porque a gente produz muito isso de escrita de projetos e tal. Aí, quando a gente consegue aprovar, já tem quem vai dirigir. E a gente se divide um pouco, também. Eu, além de dirigir, fotografo.

HIDALGO ROMERO: Só para fazer um parêntese no que a Coraci está contando, é que a relação com o Renato Tapajós continuou. Durante um bom tempo. Até hoje, na verdade. Com muito menos intensidade, agora. Durante um bom tempo, além dos nossos próprios projetos da Cisco, a gente também trabalhava nos projetos do Renato. A Coraci fotografou, o Júlio produziu. Eu basicamente fiz a produção executiva de quase todos os últimos trabalhos dele.

CORACI RUIZ: A gente é meio… Acho que todos nós somos, acima de tudo, diretores. Acho que essa é a função principal que a gente tem. Nesse sentido de elaborar, pegar a ideia do nada. Mas todos nós acabamos, ao longo do tempo, exercendo diferentes funções, e fazemos isso até hoje. O Júlio é a pessoa que mais exerce a produção.

JÚLIO MATOS: Eu produzo o que eu dirijo. Faz muitos anos que eu não produzo nada de outra pessoa.

CORACI RUIZ: E eu não produzo absolutamente, não sei. O Júlio é o que tem mais as manhas, tem mais o pique, tem mais sangue de produtor.

JÚLIO MATOS: Mas sabe o que eu estava pensando? Tem um momento da Cisco que eu acho que é legal, nessa vibe. O Hidalgo era bem produtor e produziu muita coisa do Renato. E o Renato, ele é um incrível cineasta, um excelente documentarista e tal, mas ele não é um bom… Gestor. Gestor, dono de empresa. Muitas vezes trocou as mãos pelos pés; os projetos dele eram financeiramente muito bagunçados, até que, eu lembro bem, o Hidalgo, quando terminou um projeto lá, não lembro exatamente que ano, falou “Renato, eu só trabalho com você de novo se a Cisco administrar o seu projeto, se a produção for nossa”. E aí ele ficou numa sinuca, porque quem controla a grana, controla muita coisa. Mas ele topou. Isso foi um ponto de virada. Quando teve essa mudança, foi quando a Cisco passou a ser a produtora. Nessa época, os projetos do Renato eram os que tinham mais grana.

CORACI RUIZ: O Renato era um diretor produzido pela Cisco. A gente inverteu, de quando a Cisco era o quartinho na produtora do Renato. Ele foi ficando mais velho, acho que começou a ficar cansando, também. Para ele foi muito bom, também, porque era um momento que ele conseguia ocupar criativamente.

JÚLIO MATOS: Uma das épocas mais produtivas da vida dele, eu diria.

DEIVID MENDONÇA: Bom, é uma coisa muito interessante de olhar na história de vocês, nessa questão da gestão. Porque, às vezes, as pessoas têm ótimas ideias, são muito boas, muitas coisas – mas gerir uma empresa é uma outra habilidade. Acho que foram desenvolvendo isso.

HIDALGO ROMERO: Olha, eu acho que foi de um jeito não necessariamente positivo. É um tipo de chatice que é necessária, mas é chatice.

CORACI RUIZ: E é difícil, né?

DEIVID MENDONÇA: Pensando nisso, como vocês foram aprendendo o essencial para essa empresa funcionar?

JÚLIO MATOS: O primeiro marco de todos, para mim, foi a Coraci, porque quando eu comecei a trabalhar com o Renato, ele tinha sido engolido pelo mercado. E aí o Hidalgo entrou nessa, a Coraci entrou nessa. A Coraci era produtora de videozinhos, o Hidalgo, editor, até que chegou uma hora que a Coraci falou assim: “A gente vai passar o resto da vida aqui, ganhando pouco e fazendo essas merdas. Vamos escrever projeto, não esses vídeos institucionais”.
CORACI RUIZ: Mas era merda, era meio merda, mesmo. Esse serviço que a gente fazia na época era pra pessoas físicas, tipo, “você quer fazer um videozinho? Vem fazer aqui”. Nossa, chegava a cada coisa. Era vazio.

JÚLIO MATOS: Então a Coraci falou “Vamos começar, vou escrever um projeto”. Um dos primeiros projetos que a gente captou foi a restauração de um filme do Renato.

CORACI RUIZ: É importante fazer projetos nossos, legais, e não só ficar fazendo os serviços para os outros. Nessa época que a gente começou essa coisa de tentar captar, muito era coisa do Renato. Era como se a gente fosse equipe da produtora do Renato.

JÚLIO MATOS: Tanto é que nessa época o Hidalgo foi para Nova York e a gente quase acabou, de tão segundo plano que [a Cisco] estava. E foi até engraçado, porque, com a Cisco quase acabando, o Hidalgo volta de Nova York do tipo “Galera, seguinte, voltei, não quero saber de Renato Tapajós, não quero saber de nada, eu quero ser da Cisco”, e a gente fica tipo “nossa, mas a Cisco está quase morta”. Meio que ressuscitou das cinzas.

HIDALGO ROMERO: Eu acho que o que aconteceu, na minha volta, foi que a gente estabeleceu um pacto entre nós, duradouro, de longo prazo, de que, a partir daquele momento, íamos dedicar nossas vidas a esse projeto. Acho que foi isso que aconteceu, quando eu voltei. Esse projeto, a Cisco.

JÚLIO MATOS: Tem um outro marco que eu acho que é bem importante pra Cisco. Eu voltei em dezembro de 2006. Logo depois, a gente foi chamado para fazer um trabalho para um grupo de teatro aqui de Barão, chamado Lume. Era para registrar vários espetáculos deles, quatro espetáculos. Tinha uma grana boa, eles tinham ganhado no edital da Petrobrás. A gente já tinha uma puta admiração, que é o principal grupo de teatro de Barão, são conhecidos no mundo inteiro, e são pessoas muito generosas. E quando eles estavam contando a história deles, contaram uma coisa que foi uma mudança de chave para gente. O cara que fundou o Lume, que já até morreu, teve uma sacada. Ele convidou a gente e falou “Eu quero que vocês venham pro Lume, mas eu quero dedicação exclusiva. Tem que ser um projeto de vida de vocês. Tudo que vocês fizerem, daqui pra frente, é Lume. Se você for cortar uma grama, é Lume. Se você for dar aula de qualquer outra coisa, é Lume também. Vocês topam? Não é largar tudo, mas é ser Lume em tudo que vocês fazem. A outra coisa é que tudo que a gente vai ganhar, seja fazendo teatro, seja qualquer outra coisa, vai entrar pro nosso caixa e a gente vai dividir por igual. Vocês topam também?” Ele já era professor da Unicamp, era o cara com mais renda. “Inclusive o meu salário, eu vou botar no Lume e a gente vai dividir por igual. Topam? Topamos”. Aí tinha uma terceira coisa, que era o nosso compromisso de 20 anos. “Vocês topam? Pelo menos 20 anos, que é o tempo que a gente precisa pra amadurecer o nosso trabalho e tal”. Nessa época, como eu fui o primeiro a começar a trabalhar com o Renato, as pessoas sempre me chamavam pra fazer os trabalhos, inclusive esse do Lume. Então como me chamavam, eu era o diretor, eu ganhava mais. E aí rolou essa história. Assim, cara, a gente é Cisco, pô. Eu ganho o dobro que a Coraci, que além de tudo é minha companheira? Que melhor amigo? Chamo ele para fazer a produção, ganho mais que ele. Pô, que merda! Pensei “Galera, vamos ser que nem o Lume. Vamos pegar tudo que a gente ganha, botar na Cisco. E aí com isso, tudo que a gente faz é Cisco, vamos nos dedicar a isso. E a gente vai dividir o que tem”.

HIDALGO ROMERO: Eu acho que essa história que o Júlio contou, para mim, pelo menos, acho que vocês devem ver igual ou parecido, foi a principal mudança de paradigma da Cisco. Foi a mais importante, dentre outras. Porque, tipo, o cinema é muito hierarquizado. Em qualquer produção que você vai, o diretor acumula um papel de poder que é corroborado porque ele ganha mais que todo mundo. Você vai marcando essas posições hierárquicas a partir do salário do cara. Mas e se todo mundo ganhar igual, mesmo fazendo funções diferentes? Que relações que se constroem a partir disso? Eu acho que foi essa sacada que mudou mesmo. Porque daí não importa se eu produzia, se a Coraci fotografava, o Júlio dirigia ou qualquer outro arranjo parecido. Chega igual.

DEIVID MENDONÇA: Isso vale até hoje?

HIDALGO ROMERO: Isso vale até hoje.

Movimentos Audiovisuais: Um Novo Cinema Surge no Interior de São Paulo

1 / 3

Os coletivos de cinema podem realmente substituir as grandes produtoras no interior?

2 / 3

Para você, preservar o estilo autoral é mais importante que atender às demandas da indústria no cinema?

3 / 3

Para você, a descentralização do cinema pode realmente transformar regiões sem tradição audiovisual?

Your score is

The average score is 0%

0%

Outros artigos

Para fortalecer essa pesquisa compartilhe sua experiência e dê sua opinião no espaço abaixo.

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

/1

DRAMATURGO E ROTEIRISTA LUIS ALBERTO ABREU

Você acredita que o interior do Brasil pode competir com os grandes centros na produção audiovisual?

1 / 1

Você acredita que o interior do Brasil pode competir com os grandes centros na produção audiovisual?

Your score is

0%

Pular para o conteúdo