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Movimentos Audiovisuais: Um Novo Cinema Surge no Interior de São Paulo

INTRODUÇÃO

O cinema no interior de São Paulo está ganhando uma nova identidade. Longe dos holofotes da capital, movimentos audiovisuais inovadores estão emergindo, impulsionados por práticas colaborativas e horizontais. Esses grupos não apenas transformam o modo de produzir cinema, mas também ressignificam narrativas, valorizando histórias locais e criando espaços para uma expressão autêntica e acessível. Esse movimento não apenas transforma o modo de produção, mas também abre novos caminhos para narrativas que valorizam as histórias da região. Sem grandes orçamentos ou estúdios sofisticados, esses coletivos estão mostrando que é possível criar cinema de qualidade, com histórias e visões locais que ressoam de uma forma única.

Enquanto o cinema mainstream ainda parece concentrado nas capitais e nos grandes estúdios, fomos investigar como a produção audiovisual e mais especificamente a cinematográfica, se manifesta no interior de São Paulo. O que percebemos é que a produção interiorana vem despontando como um verdadeiro laboratório de inovação no audiovisual brasileiro. Essa descentralização redefine a forma como o cinema brasileiro pode ser percebido, ampliando vozes e estéticas, com uma produção “das margens” que quebra barreiras ao combinar criatividade com uma estrutura colaborativa e horizontal, diferente do modelo hierárquico das grandes produtoras. Através de redes, coletivos e práticas formativas locais, cineastas e artistas vêm construindo algo que, além de único, é muito autêntico.

Nossa equipe conduziu uma série de entrevistas com os agentes dessa movimentação, para entender o impacto das produções feitas fora do eixo Rio de Janeiro-São Paulo – suas redes, os desafios de financiamento e a importância de projetos formativos em regiões onde o cinema comercial dificilmente chega. Afinal, existe cinema na margem?

A força dos coletivos

Enquanto em São Paulo as grandes produtoras comandam o mercado, no interior são os movimentos e coletivos que fazem a roda girar. Não se trata de uma única ou poucas produtoras comandando, mas de uma rede de colaboração onde diferentes grupos e indivíduos dividem as responsabilidades e as funções. Um exemplo claro é o Polo Audiovisual do Velho Oeste, em Assis, que promove a integração entre comunidades locais e cineastas, resultando em projetos que ecoam a realidade regional. No lugar de uma estrutura vertical e de chefia, temos um trabalho coletivo, onde cada pessoa contribui com o que pode e o que sabe. Para Marcella Arnulf, atriz, roteirista, idealizadora do projeto Cinema das Margens e uma das condutoras das entrevistas,“há uma ‘desierarquização’ da produção”. No interior, a hierarquia de produção tende a ter um foco organizacional, sendo mais coletiva e colaborativa nas tomadas de decisão. Os coletivos do interior transformam o modo de produzir cinema, sua força reside na prática de gerar ambientes que priorizam a diversidade de vozes e a maior horizontalidade nas decisões.

A Desierarquização do Audiovisual

Diferente das estruturas centralizadas e rígidas hegemônicas, que são funcionais ao mercado, a produção audiovisual no interior é marcada por uma abordagem onde o coletivo se torna protagonista. Exemplos como Kino-Olho, coletivo com quase duas décadas de atuação em Rio Claro, e o Polo Audiovisual do Velho Oeste, que dinamiza a cena em Assis, exemplificam esse modelo inovador. Ambos traduzem os desafios e as possibilidades do cinema interiorano, explorando uma abordagem colaborativa que combina criatividade e resiliência em contextos de escassez de recursos. Esses movimentos surgiram a partir do desejo genuíno de se produzir cinema, mas tem se tornado uma resposta à falta de infraestrutura e às dificuldades de acesso às grandes redes de produção, a  falta de uma sede própria ou financiamento estável não os tem impedido de produzir conteúdo de alta qualidade. Segundo Rogério Borges, diretor e produtor e  antigo associado do grupo Kino-Olho, “a força do grupo está em manter o sistema aberto, onde cada pessoa pode entrar e contribuir da forma que consegue, sem precisar estar em todos os projetos”. Isso cria uma rede flexível, que cresce com o envolvimento de pessoas com afinidades e habilidades diferentes.

Marcella compartilhou que através da sua investigação percebeu a visão que “no interior, a produção audiovisual é mais autogerida, e necessita da proatividade de algum agente, independente de sua função organizacional, algo que permite criar um ambiente em que cada e qualquer artista ou agente cultural tenha voz e possa contribuir conforme suas possibilidades”. Essa lateralidade das funções dá mais liberdade para criação de novos processos de produção, algo que não é tão comum no circuito comercial das capitais. Os novos espaços colaborativos criam uma rede flexível, onde cada integrante é valorizado pelo que traz, sem a pressão de uma estrutura já estabelecida. Alguns trechos da entrevista estão disponíveis a seguir.

O Interior como Projeto Profissional e de Identidade

Frente a esse panorama, é possível concluir que o cinema produzido no interior de São Paulo não é apenas uma alternativa ao modelo hegemônico; é uma afirmação de que o audiovisual brasileiro pode ser diverso, inclusivo e politicamente relevante. A produção audiovisual no interior de São Paulo é, antes de tudo, uma afirmação de identidade. É uma tentativa de fazer cinema sem abandonar as raízes e sem ceder aos padrões da indústria.

Através de práticas colaborativas, histórias locais e uma abordagem horizontal, esses movimentos estão redesenhando o mapa do cinema no Brasil. É um cinema que, embora enfrentando dificuldades, encontra força na coletividade, na troca e na vontade de criar algo próprio e único. 

Essa produção das margens, feita com poucos recursos e muita paixão, demonstra que o interior tem muito a dizer e que não precisa da validação do eixo Rio-São Paulo para existir.

Seria o movimento do interior, então, um projeto profissional? A resposta é um sonoro sim. É um tipo de cinema que se recusa a ser moldado pelos padrões do mercado, porque se baseia em valores e práticas próprias. É um cinema feito na raça, com muita parceria, e que mostra um potencial único.

Esse é o cinema das margens, onde os coletivos são mais que grupos de trabalho: são comunidades que, mesmo à margem dos grandes centros, provam ser possível criar obras que ressoam, com autenticidade e impacto.

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